quarta-feira, 14 de maio de 2008

O monge e o pizzaiolo

Fui à pizzaria para comer. Estava com fome, sozinho e logo na esquina de casa o rodízio de pizzas e massas saía por 8,90. Não era uma barganha, mas sucumbi à gula. Mal sabia eu da experiência à qual estava prestes a me submeter. Logo ao entrar, fiquei assustado. O bar (restaurante, pizzaria, de tudo um pouco) que não costuma lotar, estava com todas as mesas do lado de dentro cheias, não obstante nenhuma mesa do lado de fora estivesse ocupada. Era um só grupo de pessoas, pois as mesas estavam próximas umas às outras formando 3 grandes mesas. Parasse aí a situação já seria constrangedora. Aproximadamente 60 pessoas confraternizando, conversando e comendo... e eu. Acontece que não eram meros 60 clientes. Eram 60 velhinhos na confraternização de um grupo da terceira idade.

Ok, 60 velhinhos felizes e um jovem que vai à pizzaria sozinho come um rodízio de pizzas. Eu poderia sobreviver, era só sentar lá fora. Perguntei ao garçon se ele lá me atenderia e o rapaz simpaticamente disse que sim e que era pra eu ir e aguardá-lo. Encontrei uma mesa e descobri que o isolamento não era suficiente pra me blindar das músicas de outrora que vinham lá de dentro. Nada contra as músicas, a não ser pelo fato de todas serem muito tristes (e os samplers do teclado fazerem parecer um karaoke). Descobri também que todos os que passavam pela rua e ouviam a música não viam os velhinhos, mas viam a mim, ali, sozinho, sentado, aparentemente curtindo uma fossa. "Coitado, tão novo". Tudo bem, resisti pois a preguiça era grande. Uma, duas, três, quatro músicas. O garçon não veio me atender. Já tinha passado muito mais tempo do que o meu senso de consumidor poderia aceitar, mas decidi ficar ali e esperar. Comecei a ver aquilo com outros olhos.

Na situação, seria fácil sair. Ninguém perceberia. Mas encarei aquilo como uma provação. O que, de tão mau poderia haver naquele lugar? Fiquei. Após quase meia hora o garçon me atendeu pedindo desculpas. Não briguei com o rapaz, só pedi que não me esquecesse denovo ali. De repente eu comecei a me sentir muito bem. Uma espécie de magnificência. Não era a cerveja (pois ainda estava na primeira garrafa). Olhava os velhinhos, com tanta alegria, disposição para viver. Lembrei da semana ruim e do mês ruim por que passei. Lembrei das pequenas irritações cotidianas, do carro batido, da conta vencida, do garçon que me esqueceu. Senti uma espécie de vergonha. Uma vergonha existencial. Vi que cada vez mais a banalidade me atingia. Aquilo que a vida tem de mais mediocre estava me impedindo de sentir o que ela tem de mais sublime. Pensei na pessoa que amo, nos meus irmãos, na minha mãe, nos meus sonhos.

Percebi como manter-me calmo diante de uma situação que dentro dos valores medíocres do cotidiano é insuportável mas que dentro do grande quadro existencial é simplesmente irrelevante havia me aberto janelas. Um dos velhinhos foi ao microfone e recitou uma poesia de um autor inglês. Depois uma senhora perguntou se eu dançava. Ela se chamava Emilia, e me falou da alegria que sentia por poder estar ali. Estava tudo muito claro. É preciso aprender a se viver com dignidade do primeiro ao último dia de vida; é preciso aprender a distinguir a vida de seus obstáculos; é preciso - o que talvez seja o mais fundamental - aprender a não viver os obstáculos, apenas superá-los para que tenhamos sempre disposição para gozar os prazeres invisíveis da vida.

domingo, 4 de maio de 2008

Jogo Social nº 1

O Jogo: Fila

Objetivo: Ser atendido em algum serviço cuja demanda exceda a oferta e/ou cuja capacidade instalada não permita o atendimento de todos simultaneamente, exigindo de cada interessado algum tempo de espera.

Personagens: Pessoas.

Parâmetro: Respeito à ordem de chegada e às pessoas cujo consenso permite atendimento preferencial.

Regra: Entrar ao fim da fila e aguardar o atendimento de todos que o antecederam, excluindo as pessoas com atendimento preferencial, respeitando a ordem de chegada.


Apresentação do Ambiente

Primeiramente, vamos à apresentação dos elementos que compõe o jogo.

Fig. 1: Pessoas


Fig. 2: Cenários


Fig. 3: Objetos (opcional)


Sentidos

Para a compreensão desta explicação. Setas em azul, sentido do movimento coletivo. Setas em verde, sentido do movimento do protagonista. Setas em vermelho, sentido do movimento proibido.

Fig. 4: Objetos (opcional)


Movimentos

Agora, vamos a uma descrição detalhada dos movimentos a serem efetuados no jogo.

O primeiro movimento é o de chegada. Ao dirigir-se à fila, você deve atentar-se para duas de suas propriedades. Em primeiro lugar, descubra em que sentido corre a fila - se é da direita para a esquerda, ou vice-e-versa. De posse dessa informação, procure então a pessoa há menos tempo na fila. Pelas regras do jogo, esta deve ser a última pessoa da fila, na extremidade oposta ao destino da mesma. Aproxime-se (sem encostar-se, todavia) dessa última pessoa e coloque-se a uma curta distância dela. Procure fazer com que seu corpo siga uma linha imaginária traçada ao longo da fila. Isso facilitará sua identificação num segundo momento como o último da fila.



Fig. 5: Movimento 1, chegada.


Uma vez posicionado ao longo da fila, mantenha-se sempre em seu lugar. Mova-se apenas quando a fila toda mover-se, que deverá obrigatoriamente quando o primeiro da fila for chamado para ser atendido. O segundo movimento é o da espera.


Fig. 6: Movimento 2, espera.

Quando todos que chegaram antes que você mais os que chegaram depois mas tem preferência no atendimento tiverem sido atendidos, chegará a sua vez. Este é o terceiro movimento, o movimento de ser atendido.

Fig. 7: Movimento 3, ser atendido.

Após ser atendido, faça o último movimento, a saída. Pronto! Você chegou ao fim do jogo e todos sairam satisfeitos.

Fig. 8: Movimento 4, saída.


Movimentos Proibidos

Para que não restem dúvidas, adiciono esta seção com os movimentos que não são permitidos no jogo "fila". É muito importante a observância destes movimentos, pois sua realização poderá acarretar em punições que por sua vez constrangirão ao infrator e aos punidores (em geral, os integrantes injustiçados da fila).


O primeiro movimento proibido é o, assim chamado, furar fila. Este consiste na não observância do movimento 1 (chegada) no que se refere ao posicionamento na sequência ao até então último da fila. Ao furar a fila o furão posiciona-se em algum lugar entre o último e o primeiro, chegando até a por-se em posição à frente deste, que pelas regras, tem o direito a ser atendido prontamente.

Fig. 9: Movimento Proibido 1, furar fila.


O segundo movimento proibido é o de, após adentrar corretamente ao fim da fila, adiantar-se ao demais integrantes da mesma, galgando assim uma melhor posição e consequente menor tempo de atendimento. É a ultrapassagem. Como tal movimento desrespeita o movimento nº 2, espera, e onera o tempo de espera das demais pessoas, é também proibido.

Fig. 10: Movimento Proibido 2, ultrapassagem.


Penalidades

A não observância dos movimentos obrigatórios e/ou a prática de um ou mais movimentos proibidos acarretará, como já dito, a execução de penalidades aos infratores. Estas variam em três níveis, de acordo com a reincidência da infração ou com a insistencia na defesa da ilegítima posição conquistada.

A primeira penalidade é a simples advertência verbal. Você será instruído a ocupar seu lugar de direito da fila e, dependendo da polidez e do humor dos demais integrantes da fila (ora penalizadores) ofenças à sua masculinidade (em caso masculino) ou a sua forma física (em caso feminino) poderão ocorrer, assim como o questionamento quanto a retidão moral de sua mãe.


Fig. 11: Penalidade 1, advertência verbal.


Em não surtindo efeito a primeira penalidade, será aplicada a penalidade em segundo nível. Esta consiste na convocação, pelos demais integrantes da fila, de alguma autoridade, principalmente provida de legítima força e poder, como seguranças e policiais. Este tentará fazê-lo colocar-se ao local devido na fila. Nessa penalidade, berros, intimações e apertões nos braços poderão ocorrer.



Fig. 12: Penalidade 2, submissão à autoridade.


Caso nem mesmo o apelo à autoridade seja suficiente para demovê-lo da tentativa de obtenção de ilícita vantagem à fila, você estará sujeito à penalidade máxima que é o recurso popular à porrada. Nesse momento, o melhor a fazer é correr, pois, você pode ser grande, mas ninguém é páreo para uma multidão enfurecida.

Fig. 13: Penalidade 3, porrada.





Espero, com este pequeno tutorial, ter contribuido para disseminação do respeito ao outro e principalmente à paciência daqueles que têm sua inteligência e senso de cidadania questionados por sujeitos que - tal como pensam - são espertos (ou importantes demais para se submeterem à às vezes torturante espera em uma fila.

Jogos Sociais

Toda sociedade tem as suas regras. Não as regras escritas, chamadas de leis (afinal, essas nem todas têm), mas as regras implícitas da boa convivência. Normalmente essas regras são ensinadas de modo difuso pelos parentes, amigos, mestres, desconhecidos ou mesmo apreendidos pela observação. Todas as regras, claro, são passíveis de questionamento e alteração. De fato, com o tempo elas mudam e, em geral tornam-se adequadas ao desejo das pessoas do momento. Tenho percebido, porém, que algumas pessoas não têm observado muito algumas regras ou melhor, têm burlado as regras do jogo. Bem, nada contra a subversão, que fique claro, mas acredito que burlar as regras do cotidiano com o objetivo exclusivo de se beneficiar é algo digno de reprovação. Assim sendo, proponho o esclarecimento e o registro das regras de alguns desses jogos.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Macaco, carro, praia, jornal, tobogã. Acho tudo isso um saco.